segunda-feira, 24 de agosto de 2009

48 Anos Depois

CARTA PUBLICADA EM 3/12/2OO8, NO JORNAL "NOTÍCIAS DO LITORAL"

48 ANOS DEPOIS


 

Por considerar esta fase da vida que vivi a mais marcante, achei interessante partilhar com o Jornal de Vossa Excelência e seus estimados Leitores, a minha satisfação num relato de uma história que é real e que guardei dentro de mim no silêncio do meu sentir durante quase cinco décadas. Sendo a de tantas outras, a mais marcante.

Em Novembro do Ano de 1959 determinou e muito bem, a Junta de Saúde Naval, do Hospital da Marinha, que fosse feito o meu internamento na Estância Senatorial do Caramulo, no Pavilhão Bela Vista para restabelecimento de um problema pulmonar que me fora detectado.

Apanhado de surpresa, começa aqui o maior martírio da minha vida. Essa "ordem" provocou-me uma onda de mau estar como se de um tribunal fosse lida e sentença de um crime cometido com gravidade.

Em Santa Apolónia e já no comboio "pára em todas" ocupei o meu lugar na carruagem que me levaria a Tondela e finalmente de autocarro, ao Caramulo.

A partida de Lisboa foi por volta das 24.00 horas, horas que já mais esquecerei.

Senti dar um salto cego para o desconhecido. Não saberei nunca descrever com clareza a amargura desses momentos tão difíceis e dos dias que na incerteza se seguiriam. Sozinho e na projecção dessa noite tormentosa e na incerteza do destino que me fora traçado, senti algo de muito estranho, senti os meus jovens 22 anos serem estrangulados por uma estranha força da Natureza, senti o Mundo desmoronar-se a meus pés ao certificar-me que deixava para trás na incerteza da recuperação, tudo o que me era familiar e querido, na escuridão dessa noite silenciosa, violenta e marcante, senti como que o fechar de uma pequenina caixa contendo nela todas as recordações da minha adolescência vivida nessa Terra que me viu nascer e que sabe perdoar as traquinices, com suas gentes que em cada rosto se lia uma história bonita e repleta de ternura, com seus recantos que me falam do Passado de onde guardo recordações tão belas dessa infância distante que o tempo apagou, mas dessa Terra por ser tão bela, tem como Padroeira a Nossa Senhora A "Bela".

Guardei-a bem guardada e sempre me acompanhou em momentos difíceis de suportar.

Finalmente essa caixinha imaginativa, foi aberta, podendo assim partilhar com todos os leitores essa dor que vivi e a alegria que hoje sinto.

Na viagem, o rodado do comboio sobre a linha férrea, provocava um som que jamais esquecerei "Tum…Tum…Tum…". O escuro que senti em mim, tornava mais densa a escuridão dessa noite. Já pela manhã, chego finalmente ao Caramulo onde era aguardado, depois de dez horas de viagens. Um percurso para esquecer.

Descrever aqui os momentos que se seguiriam á minha chegada, o leitor "a" com o coração no seu lugar, avalia-os certamente.

Diz o Velho Provérbio: "Depois da tempestade vem a bonança".

Para compensação, todo este "massacre" deu origem a acontecimentos bem importantes e agradáveis. Recordo sempre e guardarei para sempre a boa recordação daquela hora do regresso, quando me dirigia a pé para o autocarro, transportando uma mala com meus "bens", em sentido oposto, cruzei-me com uma "Velhinha" já meia curvada, trémula e com seu rosto marcado pelo decorrer dos anos, ao ver-me, e sabendo de onde eu vinha e para onde ia, em voz doce e terna disse-me:

Espere que vou ajudá-lo a levar-lhe a mala; respeitosamente não aceitei, mas manifestei-me agradecido com toda a ternura e respeito. Apeteceu-me ir ao encontro dela "dessa Velhinha", e apertá-la contra o meu peito em sinal de gratidão. Para essa "Velhinha", rogo sempre a Deus para que sua alminha generosa esteja sempre em paz e em bom lugar.

Essa grande lição, nunca a esquecerei, afinal quando queremos, fazemos sempre mais independentemente do nosso estado físico, bastando para isso, espírito de ajuda.

Mas eu conto toda esta história "Real" por uma razão bem forte e com um relato mais feliz.

Neste período de tempo, criaram-se bons amigos com quem partilhava-mos as horas menos boas e confortávamo-nos uns aos outros.

Afinal pondo de parte a causa que lá me levou, foram dez meses e onze dias que os posso classificar de bons e me deixaram muitas saudades. Aquele núcleo de amigos ocasionalmente ali criado, com o restabelecimento conseguido, a pouco e pouco se afastou uns dos outros para finalmente regressar-mos às nossas origens.

Quase no esquecimento e volvidos 48 anos, tenho conhecimento de que sou procurado por um desses velhos amigos, o meu grande e bom amigo Pires, que guarda religiosamente consigo uma foto minha em que estou fardado.

Vindo o meu amigo Pires, de Almeirim a Santiago do Cacem, ligado a Rádio Santarém e a convite da Rádio Santiago e não se esquecendo da minha naturalidade, entra em "investigação" e com a boa colaboração do Sr. Fernando "taxista" foi possível o primeiro contacto. A partir daí, tudo foi fácil.

O encontro foi no Porto Alto, como se previa, foi uma alegria estonteante. A unir essa separação de tantos anos, houve um forte abraço repleto de velhas saudades com mistura de alguma emoção, mas desta vez, com muita alegria.

Por graças do destino, reencontrámo-nos no mês de Agosto, exactamente no mesmo mês que há 48 anos nos separámos. Outra coincidência; o número de horas que levei na viagem, foram exactamente o número de meses que lá permaneci <10>.

Muito reconhecido, quero deixar um grande abraço de agradecimento aos simpáticos funcionários do Restaurante "Vira Milho" que com toda a simpatia tiveram a paciência de nos deixar permanecer á mesa durante 4 horas e com tanto movimento como é habitual, muito e muito obrigado.

Durante todas essas horas, recorda-mos algumas amarguras, mas também momentos bons e frente a frente de olhos nos olhos, confirma-mos que a juventude dos nossos rostos que gravámos na nossa memória há tantos anos atrás, se esvaiu com a corrida desenfreada do tempo, nos "assaltou" sem piedade e na sua linguagem muda está visível nas duas fotos que marcam as duas épocas, onde se confirma forte contraste de dois jovens sentados num banco antigo, sendo eu a figura do lado direito, olhando duvidoso ao incerto percurso da vida que o futuro me reservaria, na outra foto "actual" os menos jovens "Velhos" sentados num banco moderno, descansando as pernas da longa caminhada já percorrida, olhando ao passado que na vastidão da caminhada, nos apareceram flores, que no momento próprio não soubemos colher, contemplando na ordem decrescente essas férias que a morte nos concede.


 

Diz e muito bem o Velho Provérbio: Volta sempre a Primavera, só não volta a Mocidade; "Que Pena".


 


 

V. Marques



encontro… …e o reencontro


 


 


 

2 comentários:

  1. Querido irmão aqui sentada no sofá com netos e filho e nora, estou apreciando com emoção as tua lembranças, que ainda recordas com saudade, embora com sofrimento. Um abraço de todos nós em especial da tua irmã que te ama!!

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  2. Querido irmão aqui sentada no sofá com netos e filho e nora, estou apreciando com emoção as tua lembranças, que ainda recordas com saudade, embora com sofrimento. Um abraço de todos nós em especial da tua irmã que te ama!!

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